Cinema
Análise “NOPE”: Sim, Sim, Sim!
⚠️Este conteúdo contém Spoilers⚠️
O terceiro filme de Jordan Peele, da temática do terror/mistério, é protagonizado por Daniel Kaluuya e Keke Palmer, dois irmãos que defendem o rancho da família de uma ameaça extraterrestre.
Os trailers de “Nope”, de Jordan Peele, um dos filmes mais aguardados deste verão, levantaram algumas questões intrigantes. É um filme de terror? Ficção científica? Sátira? Será que vai atender às expectativas levantadas pelos dois primeiros filmes alucinantes de Peele, “Get Out” e “Us”, ou confundi-los?
Agora posso relatar que a resposta para todas essas perguntas é: Sim. O que quer dizer que existem algumas tensões internas fascinantes dentro do filme, juntamente com suspense impecavelmente administrado, piadas afiadas e uma atmosfera sedutora e enervante de estranheza geral.
“Nope” parece menos polémico do que “Us” ou “Get Out”, mais à vontade nos seus voos de imaginação, mesmo que siga, no final, um caminho narrativo mais convencional. Isso pode ser motivo de alguma decepção, já que a perspectiva dialética aguçada de Peele sobre os problemas coletivos tem sido um ponto brilhante nesta nova era de realização cinematográfica. Ao mesmo tempo, é um artista com liberdade e confiança para fazer o que quiser, sabendo sempre desafiar o público sem aliená-lo.
De qualquer forma, seria impreciso afirmar que a alegoria social foi eliminada: todo género que Peele invoca é uma armadilha para significados sociais, e não poderás assistir a este filme de cowboys e monstros alienígenas sem ter alguns pensamentos profundos sobre a raça humana, ecologia, trabalho e o poder tóxico e encantador da cultura popular moderna.
“Nope” aborda esses assuntos através de um clima que parece mais uma reflexão da sociedade do que argumentativo. O alvo principal da sua crítica é, sem dúvida, o cinema.
O amor cinematográfico de Peele é amplo e profundo. Há sequências do filme “Nope que nos remetem a mestres do passado, de Hitchcock a Spielberg e Shyamalan – puro êxtase do cinema. Um génio da comédia de esboços antes de se tornar diretor, Peele nunca considera os seus artistas como garantidos, dando a todos eles espaço para explorar peculiaridades e nuances da personagem. Ele também mostra uma capacidade e um talento impressionante para grandes efeitos. As cenas culminantes – e quase alcançam – o tipo de sublimidade antiquada que reúne um misto de maravilha, terror e admiração de queixo caído numa única sensação.
Os filmes podem ser assustadores, encantadores, engraçados e estranhos. Às vezes, até podem ser todas estas coisas ao mesmo tempo. O que eles nunca são é inocentes. Embora este filme possa ser razoavelmente descrito como Spielbergiano, há um detalhe visual que é característico de Spielberg: o olhar para cima impressionado .
“Nope” começa com um texto de advertência, extraído do Livro de Naum do Antigo Testamento, que descreve a ameaça de punição de Deus à cidade de Nínive: “Farei de ti um espetáculo”. Durante o filme, vários são os acontecimentos que, como a maioria dos outros eventos de nosso mundo destruído, são construídos sobre a crueldade, exploração e esquecimento dos direitos do ser humano, ser animal. Ora vejamos: Na primeira cena, um chimpanzé enlouquece no set de uma sitcom, um momento de terror absurdo e sangrento que se torna motivo e chave para toda a temática do filme. O macaco é um animal selvagem que se comporta de acordo com a sua natureza, embora tenha sido domado e treinado para uso humano.
O mesmo pode ser dito para os cavalos que servem como ‘bandeiras’ na tradição cinematográfica de Peele. Ele invoca o que se pensa ser a primeira imagem em movimento, capturada pelo inventor e aventureiro do século XIX Eadweard Muybridge , de um homem a cavalo. Emerald (Keke Palmer) e OJ (Daniel Kaluuya) reivindicam o cavaleiro como seu ancestral. Honram seu legado mantendo o negócio iniciado pelo seu pai, Otis Haywood (Keith David), um rancho que fornece cavalos para televisão e indústria cinematográfica.
OJ, é o principal gestor do rancho, um cowboy de olhos tristes que se sente mais à vontade com cavalos do que com as pessoas. A sua irmã é mais extrovertida, e uma das delícias improvisadas de “Nope” é como Kaluuya e Palmer transmitem, com credibilidade, a relação de irmãos.
Coisas estranhas começam a acontecer no rancho de Oj e Emerald. A energia sofre falhas, uma nuvem misteriosa espreita no horizonte e tempestades bizarras fazem cair objetos de todo o tipo e feitios do céu. Logo nos primeiros minutos do filme conseguimos comprovar isto, sendo um dos cavalos do rancho atingido no flanco com uma chave que caiu do céu. Em simultâneo a este acontecimento, Sr. Otis (pai de OJ e Emerald) é impactado com um projétil improvável no olho. A par destes dois acontecimento, é avistado no ar um disco voador que assombrando o vale. Emerald e OJ ficam com a pulga atrás da orelha com estes constantes e estranhos acontecimento, assim como o vizinho, e conhecido empresário: Jupe (Steven Yeun), que transformou o seu vale numa armadilha turística com tema do velho oeste.
O possível OVNI paira no núcleo da ação por algum tempo, como o tubarão em “Tubarão” ou a nave espacial em “Close Encounters of the Third Kind”, adicionando um elemento de perigo que lança interações humanas entre a comédia e o drama. Mas existe sempre, neste tipo de filmes, um grupo que quer ‘salvar o mundo’ ou que tenta sempre arranjar uma ‘solução’ para o que está a acontecer. Em “NOPE” também um grupo para lidar com a ameaça é formado. A OJ e Emerald, junta-se Angel (Brandon Perea), um técnico ansioso e com problemas amorosos típicos, e Antlers (Michael Wincott), um diretor de fotografia visionário que aparece no rancho com uma câmera IMAX a manivela.
Jupe, showman e avatar do seu negócio de entretenimento, vê a sua história como ator infantil conectada a incidente com chimpanzé rebelde. Emerald, OJ, Antlers e Angel, ao contrário de Jupe, não são pessoas do showbusiness, estão totalmente ‘out’ de questões técnicas relacionadas com a ética da criação de imagens.
Peele é, claro, um verdadeiro apaixonado do espetáculo. É um pensador demasiado rigoroso para recorrer a antagonismos fáceis entre arte e comércio. Em vez disso, ele diverte-se com paradoxos.
A moral de “NOPE” é “olhar para longe”, mas não podes tirar os olhos do que quer que seja. O título do filme acentua o negativismo, mas como conseguimos resistir?
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