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Pôr do Sol |A sátira a novelas que conquistou os portugueses

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A novela portuguesa Pôr do Sol é o mais recente alvo humorístico numa série que vai pôr toda a família a perguntar: “Mas o que é que eu estou a ver?”

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Este artigo contém spoilers da primeira temporada de “Pôr do Sol”.

“Que fardo tão pesado é este, para teres chegado a este ponto? Será que eu devia ter-te dado mais atenção e passado menos tempo a lavar o Testículo?”

No terceiro ato de “Pôr do Sol”, a mais recente série de humor produzida pela Coyote Vadio e exibida diariamente durante 3 semanas na RTP1, Eduardo Bourbon de Linhaça, o dono da Herdade do Pôr do Sol, ao ver a sua esposa acamada no hospital, questiona-se se a deveria ter priorizado em vez do seu estimado cavalo de competição. Até aqui tudo bem, trata-se de um dilema amoroso numa relação de longa data, algo usual tanto nas novelas como na vida real – não fosse o cavalo chamar-se Testículo. Este pequeno pormenor, que muda completamente o sentido do diálogo da cena, é um dos inúmeros exemplos da comédia que caracteriza “Pôr do Sol”, uma série portuguesa de humor com a finalidade de satirizar e desconstruir os cânones da novela.

 A Herdade do Pôr do Sol

Sendo a telenovela o conteúdo ex-líbris da televisão portuguesa, seria de esperar que, mais tarde ou mais cedo, algum criativo pegasse no formato e nos seus clichés e os levasse ao extremo. E quem melhor para brincar com as novelas do que alguém que lhes sabe as manhas?

“Pôr do Sol” é uma série de 16 episódios criada por Henrique Cardoso Dias, Rui Melo (que também aqui encarna o vilão Simão Bourbon de Linhaça) e Manuel Pureza, sendo a equipa técnica encabeçada por este último, um realizador com uma carreira de longa data nas novelas portuguesas. Quanto aos atores, a série presenteou-nos com um leque do melhor que se pode encontrar no nosso país. É extraordinária a humildade com que atores como Gabriela Barros, Diogo Amaral, Rui Melo, Marco Delgado, Sofia Sá da Bandeira, Manuel Cavaco, Noémia Costa, João Craveiro, Jorge Mourato, Rodrigo Saraiva, Susana Blazer, Carla Andrino, António Melo, Tiago Teotónio Pereira, Débora Monteiro, Madalena Almeida, Miguel Raposo, entre outros, gozam consigo mesmos e com o formato televisivo que, ao fim de contas, é o seu ganha-pão, e que tanto elevam diariamente com o seu talento.

Temos ainda direito a participações especiais de variadíssimos cantores da nossa praça, como Diogo Piçarra e Fernando Daniel, enquanto membros da banda ficcional Lordes da Mocada; Ana Malhoa a fazer de polícia (confesso que estava à espera de um “Sube la!”), e até o Padre Borga a fazer, imaginem só, de padre.

Como o próprio realizador refere, esta narrativa tem uma receita simples, mas infalível: basta juntar uma família rica de Santarém com terras e cavalos, uma gémea boa e uma gémea má, uma família popular da Madragoa, uma banda jovem e revolucionária e ainda uma revista de moda, adicionar os maiores clichés novelescos e, voilá. Tem tudo, e muito mais, a que as novelas tão bem (ou mal) nos habituaram: desastres violentos no primeiro episódio que resultam na morte de uma das personagens principais e que despoletam toda a narrativa da novela; uma relação amorosa entre dois irmãos (que não sabem que o são); bebés com duas pilinhas; operações plásticas que deixam a personagem irreconhecível (e que a transformam literalmente noutra pessoa); diálogos muito descritivos e repetitivos; pequenos-almoços dignos de realeza; product placement; cerejas sem caroços; traições; casamentos; funerais a dedos; quedas e tiroteios em slow motion, chapadas dramáticas e risos maquiavélicos.

Todavia, o segredo de “Pôr do Sol”, e aquilo que provavelmente a tornou num êxito imediato entre o público português, está na representação dos seus atores. Não é todos os dias que vemos atores consagrados a dizer, em tom sério, frases disparatadas como “Estás de castigo! Não comes batatas fritas de pacote durante um mês!”, ou a referenciar a cultura pop portuguesa com diálogos como “Seis e meia, ainda vou a tempo de ver o Preço Certo”.

Por vezes, a narrativa, e, por conseguinte, a sua comédia, peca nas referências à cidade de Lisboa e aos seus arredores, algo que as próprias novelas têm, a pouco e pouco, tentado mudar ao descentralizar as suas estórias e ao filmarem em localidades situadas de Norte a Sul de Portugal. E numa série que dispara piadas e referências a torto e a direito, o que por vezes se torna cansativo, era de esperar que algumas caíssem ao lado.

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Uma Série de Culto à Portuguesa

Há espaço no panorama televisivo português para todo o tipo de conteúdo. E, felizmente, o canal público português continua a apostar em formatos diferentes, ousados, que não pretendem agradar a gregos e troianos.

Quem não se lembra de “Último a Sair”, uma sátira a Reality Shows que passou em horário nobre na RTP1 durante 13 semanas, tal e qual como se se tratasse de mais uma edição do Big Brother? Na altura, foram muitos os portugueses que acreditaram que se tratava, de facto, de um reality show. O mesmo aconteceu agora com “Pôr do Sol”. As gerações mais velhas também tiveram alguma dificuldade em perceber se o que estavam a ver se tratava de uma novela “a sério” ou de uma paródia. Fora do plano nacional, esta série fez-me lembrar e rever grandes clássicos da sátira humorística, como o filme “Aeroplano!”, uma sátira a filmes de desastres aéreos, ou a série televisiva “Angie Tribeca”, uma sátira a séries policiais.

“Pôr do Sol” foi uma boa surpresa, uma série bem conseguida, bem filmada, que me deixou a trautear o seu tema inicial dias a fio. Já não ficava com um genérico preso na cabeça desde o famoso “duas vidas separadas pelo tempo”, da novela “Olhos de Água”, curiosamente, um tema também escrito e interpretado por Toy, que apesar de ter feito algo fantástico com o genérico, se tornou num engenho repetitivo e que por vezes quebrava o ritmo do episódio, ao aparecer em todos os episódios.

Infelizmente, o que realmente baixou a qualidade do produto final, e que de outra forma, tinha tudo para ser considerada umas das melhores séries de comédia portuguesas da última década, foi, sem dúvida, a sua mistura de som. Trata-se de uma maleita que muito assombra o cinema e a televisão portuguesa. Há muitos momentos em que as personagens gritam ou falam mais alto e o áudio fica completamente distorcido. Por isso, sugiro que vejam a série através da plataforma online da RTP, a RTP Play, e com headphones. Vi alguns episódios na televisão e por mais que uma vez tive de voltar atrás porque não consegui perceber a piada, simplesmente não era percetível. E quando se trata de uma série cujo humor depende maioritariamente da compreensão e assimilação dos seus diálogos, é algo que nem o Nosso Senhor do Coisinho poderia facilmente perdoar.

Apesar de tudo, o tamanho sucesso online fez com a que a produção disponibilizasse os êxitos musicais dos Jesus Quisto, entre eles, Beavers in loves, Chup it up, Holocausto Vegan ou Coito sopa coito, no Spotify. Para além da música, também já há merchandise da série à venda. Podem encontrar a Coleção Forever and Evers online e adquirir, entre vários produtos, um pólo da Comissão Nacional de Proteção dos Agrobetos ou uma t-shirt dos Cavaleiros do Rater. Infelizmente, o colar de São Cajó, que está na família Bourbon de Linhaça há mais de 3500 anos, não está disponível para venda.

Com o final semiaberto do último episódio, sem sabermos o que aconteceu a Madalena e com a inesperada revivificação de Simão, fica a questão: Será que vamos ver uma segunda temporada de “Pôr do Sol” em 2022?

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Enquanto não temos uma resposta concreta, deixo-vos com algumas das melhores citações da série, ordenadas aleatoriamente:

  1. “Ainda sinto uma dor no peito.” / “Mas uma dor no peito como?” / “Não sei, como se o peito me doesse.”
  2. “Você está bem? Sei lá… acho-o com cara de parvo.”
  3. “Sou licenciado em gestão. Tenho uma licenciatura em mestrados e um doutoramento em licenciaturas.”
  4. “Eduardo, telemóvel à mesa não, please! Aqui em casa ninguém recebe o Rendimento Social de Inserção!”
  5. “Vocês os pobrezinhos é tudo assim… É tudo em desgraça. É doenças, dentes tortos, raspadinhas…”
  6. “Só queria ser feliz… Ser feliz como o Dalai Lama… ou o João Baião.”
  7. “Sra. Inspetora, os homens estão a pedir se podem pôr um bocadinho de música.” / “Baixinho, por respeito à vítima.”
  8. “A minha vida sem ti… era como se tu não existisses!”
  9. “Fiz-lhe a cama de lavado, e deixei-lhe na cabeceira uma panela de jardineira, no caso de ter fome ao meio da noite.”
  10. “Só gosto 2 coisas da minha vida: Dinheiro, uísque… 3 coisas: Dinheiro, uísque, poder e… 4 coisas…”
  11. “Vou jogar ténis, arranje um empregado para perder comigo.”
  12. “Sabe que eles não aguentam o fato da nossa Igreja ser a única que tem uma bíblia autografada.
  13. “Eu não sou um monstro como tu. Eu dou arroz ao Banco Alimentar.”
  14. “Aponte, António, aponte para quanto eu escrever a minha autobiografia, “Calmantes e Vinho a Copo: A Vida de uma Bourbon de Linhaça”.”
  15. “É um contratempo. Ter sido despedida é apenas um contratempo. Se não foi a herpes que te mandou abaixo no Secundário, também não vai ser isto.”

 

A primeira temporada de “Pôr do Sol” está disponível online na RTP Play.

 

 

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