Connect with us

Destaques

Quando a vida nos leva a Good Places

Published

on

The good place netflix

[NÃO CONTÉM SPOILERS DE THE GOOD PLACE]
Que tipo de pessoa és? Se neste momento estivesses em frente ao espelho e perguntasses àquela figura, bem menos atraente do que a versão do Instagram, o que te define, que resposta obtinhas?

“The Good Place” é a história de quatro pessoas, individuais na sua personalidade e um coletivo naquilo que as define. A série explora a ideia de redenção depois do  juízo final, ou melhor, procura perceber se é possível mudar o “balanço” de uma vida depois de se fechar a “conta”. Embora tudo decorra num ambiente leve de comédia, as perguntas que levanta são a raiz dos pensamentos filosóficos que ocuparam as mentes mais brilhantes da história. Não será um exagero afirmar que o derradeiro objetivo desta produção, além do entretenimento, é fazer-nos refletir sobre nós mesmos com as questões que levanta.

És aquilo que queres ser?

Seria fácil assumir que somos a soma dos nossos atos, mas não é também correto dizer que somos a ausência deles? Os maiores arrependimentos, angustias e dissabores surgem dos momentos em que decidimos não tomar uma ação. Assim sendo, fizeste tudo o que querias fazer? Se não, porquê? O que te impede? Na série essa opção está algo vedada, já que as personagens têm o “cadastro” registado e é-lhes impossível mudar o bem/mal que fizeram como seres com pulsação. Mas tu estás vivo! Mudarias algo com segundas oportunidades? Acreditas que é tarde de mais para te redefinires?

Se és aquilo que queres ser, consideras-te uma boa pessoa?

Para lá da definição de cidadão útil para a sociedade, se tivesses de colocar o teu coração na balança com a pena, fá-lo-ias de consciência tranquila? O peso dos atos destas personagens paira constantemente sobre as suas cabeças, mas nem sempre isso lhes pesa. Pior, aquilo que seria mais condenável/mais os define nem sequer é consciente. Só quando confrontados com outros pontos de vista, outros ângulos de visão e constatação das consequências dos seus atos é que percebem a falha. Traços de personalidade que podiam ser considerados métodos de autoproteção, generosidade, liberdade e inclusão são vistos como inconsideração, ciúme, rebeldia e insegurança. É, por isso, importante rodearmo-nos de quem nos quer bem, mas também de quem desafia constantemente os nossos atos. Na série, os maiores desafiadores das personagens são os outros membros do grupo, porque o que os une torna-os os melhores julgadores do semelhante e permite, por conseguinte, o crescimento e reformatação pessoal. Mas essa figura instigadora surge também na personagem de Michael, que representa de uma maneira brilhante o “mundo lá fora”: às vezes quer enganar-nos, às vezes quer apoiar-nos, por vezes tenta ensinar-nos algo ou guiar-nos pelo meio do labirinto, mas no fim a decisão tem de ser sempre pessoal. Não controlamos o mundo, apenas como reagimos a ele. Se tivesses que dizer já, definias-te como boa pessoa? A pena seria mais pesada do que o teu coração?

Tens medo de quê?

“The Good Place” tem este aspeto bem vincado: temos medo do Juízo Final. A derradeira avaliação do plano celestial sobre o plano terrestre. Mas será essa a “Força” que orienta a maior parte de nós? Se deres por ti numa bomba de gasolina e à tua frente estiver uma revista ou um simples chocolate, o que te impede de os roubar? Muitos diriam que não foram educados assim, mas essa “teoria” cai por terra quando pensamos o quão diferentes somos da educação a que fomos submetidos. Os nossos educadores apresentam-nos os alicerces e fazem por nos mostrar como viver, sim, mas há sempre uma parte da nossa personalidade que é moldada por fatores externos e que, por vezes, nos desvia totalmente dos valores que nos foram incutidos. Se o teu pai te disse que fumar faz mal e fumas, porque não hás de roubar quando ele te ensinou que isso é errado? Não é de todo absurdo dizer que cometeríamos atos condenáveis mais vezes se ficássemos impunes às consequências. As personagens da série conseguiram escapar ilesas aos seus “crimes” muitas vezes, perpetuando-os. Como comédia, a série não mergulha em lagos mais negros como o homicídio, por exemplo. Falamos de personagens que são, ao invés, vítimas do seu egoísmo, indecisão, avareza e… estupidez. O que é claro é que apenas quando confrontados com esse Juízo Final é que se obrigaram a questionar os seus actos e, por consequência, as suas filosofias de vida. Não tanto o medo de condenação para todo o sempre, mas a possibilidade de parar para pensar e ouvir outros pontos de vista que os permitiu crescer (mais tarde ou mais cedo) como almas.

Tu és a pessoa que és, num bom ou mau sítio…

Independentemente da versão cor-de-rosa ou negra com que vejas o mundo, tu és aquilo que desejas ou não ser. O que a série nos tem mostrado, principalmente pelos olhos de Eleanor, é que mesmo confrontados com espadas e paredes, é possível manteres-te fiel a ti próprio. A vida pode tratar-nos bem ou mal, mas o mais importante é aquela voz que está sempre lá. Eu acredito que, após considerados todos os fatores, é a essa a voz a que devemos explicações. Com o passar das temporradas, Eleanor, Chidi, Tahani e Jianyu percebem que, embora nem sempre sejam as melhores versões possíveis, quando chega a altura, tomam a decisão certa, aquela que vai mais ao encontro da voz que esteve sempre lá. É por isso que investimos tanto no destino e decisões destas personagens, porque nos revemos nelas: queremos acreditar que também somos boas pessoas. Mais do que a salvação destes quatro, queremos a nossa. O que é preciso é não silenciar a tal voz interior e não esperar pela decisão final do Juiz para decidir que está na altura de mudar.

O importante a reter é que “The Good Place” nos mostra que é possível entreter e desafiar. Que questionar o que nos rodeia, e a nós próprios, nos pode literalmente abrir os olhos para novas realidades. Recomenda-se a quem não tem medo de perguntas… e tu, vais ver?! Podes ver as quatro temporadas na Netflix.

Publicado por: Vítor Rodrigues
Um dinossauro no mundo das séries. Coleciona Blu-Rays, adora Legos, completa jogos a 100%, devora podcasts e ama tudo que envolva não sair de casa.

Os especialistas do Conteúdo da Cultura Pop.

Mais artigos