Cinema
Elizabeth II na Cultura Pop
“A Rainha Elizabeth II deixou a vida para entrar na história.” A frase não está errada, exceto num detalhe: a regente do Reino Unido, que morreu ontem aos 96 anos, não só testemunhou toda a história moderna, como também foi protagonista. A cultura pop, como não podia deixar de ser, tratou de eternizar a sua imagem no cinema e na TV desde o primeiro momento.
Por boa parte do seu reinado, iniciado com sua coroação em 1952, a vida da Rainha foi tratada como um assunto intocável. O tempo, porém, fez com que certos tabus se tornassem maleáveis. A Rainha, como personagem, passou então a ser retratada sob diferentes lentes, do drama à comédia, da paródia à sobriedade, como coadjuvante e como protagonista.
Foi na série “The Crown”, exibida pela Netflix, que a ficção chegou mais perto de humanizar a figura de Elizabeth II. Ao romantizar o seu reinado, o roteirista Peter Morgan criou, o que talvez seja, o retrato mais preciso da Rainha, desde o seu casamento em 1940, até aos momentos mais impactantes da sua vida, seja no ofício real, seja por detrás das cortinas, até à entrada do novo século.
Claire Foy foi a intérprete da Rainha Elizabeth nas duas primeiras temporadas de “The Crown”, seguida por Olivia Colman nas duas subsequentes. Imelda Stauton assume o papel para as duas temporadas finais, com a quinta agendada para novembro. Não é difícil especular o rumo que a conclusão da série terá.
“The Crown” é uma expansão de uma ideia levantada por Peter Morgan no cinema. Em 2006, escreveu “A Rainha”, filme dirigido por Stephen Frears, em que o papel de Elizabeth II foi interpretado por Helen Mirren. Pelo seu trabalho brilhante, a atriz foi premiada com um Óscar.
“A Rainha” talvez seja o momento em que Elizabeth foi mostrada na ficção de maneira mais concisa e impactante. Em vez de compactar toda uma vida num filme, a opção de Morgan foi focar especificamente numa sequência de eventos que sucedeu à morte da princesa Diana, e como uma resignada Elizabeth lidou com a tragédia perante a opinião pública e atrás de portas fechadas.
Ao longo de décadas, interpretar Elizabeth II foi um desafio. Havia, claro, o respeito em representar uma figura pública tão monumental. Por outro lado, a procura de cada projeto podia expor um aspeto da Rainha que muitos poderiam considerar ofensivo. Nunca houve, porém, nenhuma acusação de imprecisão ou desrespeito.
Sarah Gadon, por exemplo, fez uma Elizabeth demasiado humana em “A Royal Night Out”. O filme de 2005 recupera a história real de como a Rainha quebrou o protocolo para celebrar o fim da Segunda Guerra Mundial ao lado dos seus súditos. Já Freya Wilson foi breve e correta como Elizabeth, muito jovem, ainda uma princesa, em “O Discurso do Rei”.
A TV britânica, ao longo de séries e documentários, trouxe um leque amplo de intérpretes que arriscaram retratar Elizabeth II. Emma Thompson fez um episódio da série “Playhouse Presents” da BBC, enquanto o Channel 4 usou quatro atrizes – Barbara Flynn, Samantha Bond, Emilia Fox e Susan Jameson – para o documentário “The Queen” de 2009.
Uma das atrizes que interpretou o papel de Elizabeth II foi Jeannette Charles. Menos uma intérprete e mais uma sósia, foi a Rainha em vários projetos, sendo os mais notórios “Corra Que a Polícia Vem Aí” e o terceiro “Austin Powers”.
A comédia não só era uma forma de humanizar a figura distante da regente do Reino Unido, mas também uma maneira de popularizar a sua imagem sóbria. Talvez a sua versão mais alucinada tenha sido na série americana “Saturday Night Live”, em que o ator Fred Armisen criou uma versão divertidíssima e estranhamente respeitosa da monarca.
Ao tecer estas linhas, no álbum “The Queen Is Dead”, lançado pelo The Smiths em 1986 havia uma linha forte de protesto nas letras de Morrissey, mas também surgia uma estranha reverência ao destacar a importância de Elizabeth II como figura pública.
A sua maior parceria na ficção, talvez tenha sido, quando a própria Elizabeth II convocou seu súdito mais famoso, o agente secreto James Bond (Daniel Craig), no vídeo de abertura da cerimônia dos Jogos Olímpicos de 2012. Tudo com o mais fino humor britânico.